quinta-feira, 19 de julho de 2012

As virtudes de um verdadeiro Samurai

O Ocidente costuma mitificar os Samurais... Tenho ouvido pessoas até um tanto esclarecidas falando que querem ter katanas (espadas usadas pelos Samurais do Japão feudal) e roupas pesadas parecendo armaduras

A lógica do caminho do guerreiro, principalmente no que tange ao âmbito militar, sempre foi calcada na disciplina e seguimento dos padrões estabelecidos pelas castas superiores. Todo o ideal samurai se baseia em uma complexa seleção de qualidades e requisitos, dos quais se pode precisar sete virtudes necessariamente imanentes a esse tão famoso bushi do Japão Feudal.

Integridade Moral (gi)
"A moral é o poder de decisão sobre o curso de sua conduta em concordância com a razão, sem pestanejar; morrer quando for correto morrer, atacar quando for correto atacar."
O samurai defendia as causas justas com ardor, o homem que se desviava dos caminhos da honra, não podia ser considerado um samurai e era punido por seus iguais com a morte. Entre os samurais não havia ladrões ou assassinos sem propósito, seu papel de guerreiro era cumprido com pesar e o fardo de retirar as vidas dos inimigos era entoado em oração depois de todas as batalhas. Era papel do samurai se revelar um homem de inabalável moral, para encorajar as gerações seguintes à prosseguir com o ideal samurai era necessário ensinar através do exemplo.

Coragem (yuu)
Mesmo diante de adversidades, o samurai supera o medo e enfrenta o inimigo com coragem. Musashi tinha apenas 13 anos quando lutou em seu primeiro duelo contra um adepto da escola Shinto Ryu com mais de o dobro de sua idade e venceu. Um samurai jamais vira suas costas aos problemas que lhe surgem ou desiste em face do primeiro obstáculo, é a coragem que o seguir em frente e lutar.

Benevolência (jin)
Talvez a mais relativa de todas as virtudes, a benevolência era exaltada pelo mais alto padrão de guerreiros, embora nem todos seguissem esses preceitos. A capacidade de distinguir o certo do errado no cotidiano samurai era muito clara e diante de situações em que pessoas estivessem em perigo, era dever do samurai enfrentar a ameaça.

Um exemplo de samurai benevolente é Minamoto Yoritomo. Ele providenciava segurança para as famílias de todos os seus samurai de confiança e os recompensava com terras e bens por sua lealdade. Os samurais de seu exército que se marginalizassem ou cometessem qualquer infração que ferisse as suas ordens eram caçados e mortos, pois ele acreditava que nenhum homem que traísse seu caminho merecia viver entre os justos.

Educação e cortesia (rei)
O samurai jamais fora um mero soldado ou um assassino comandado por um general, por isso tudo em seu tratamento era protocolar e baseado em rígidos padrões educacionais. A cerimônia do chá e o sumie são algumas das artes que ilustram que também os guerreiros podiam ser artistas de fino trato. Até mesmo porque as guerras eram travadas basicamente para cessar o conflito, para eliminar o motivo da tensão e selar novas épocas de paz. Há muitos casos em que generais se enfrentaram, mas ainda assim se tratavam com respeito e cortesia.

Quando Toyotomi Hideyoshi estava em viés de conseguir a unificação total do território japonês, faltava apenas a ilha de Kyushu, onde habitava a família Shimazu, uma linhagem muito tradicional de nobres. Hideyoshi implementou uma soberba estratégia de incursão e conquistou quase todo o território em pouco tempo, restava apenas um último refúgio onde residia a família. A ação demoraria dias, mas era quase certo que o exército de Hideyoshi prevaleceria, principalmente por seu número. No entanto, por respeito à família, Hideyoshi sugeriu que eles se aliassem a ele e permitiu que continuassem em Kyushu, assim poderiam manter suas terras ancestrais sob seu comando.

Honestidade (makoto)
Makoto é a sinceridade acima de tudo consigo e com suas responsabilidades. Seguir um caminho com honestidade implica em tomar uma série de ações e por vezes fazer sacrifícios que garantam a integridade do caminho e que assegurem a chegada. O samurai desde muito jovem abdicava de sua infância e quando adulto passava longos períodos longe de sua casa e sua família, muitos jamais voltavam, tudo isso para defender aquilo em que acreditavam. Fazer tudo o que era necessário para demonstrar aquilo que se pregava e as expectativas que eram geradas sobre os guerreiros da honra era ser honesto com a vida que se escolhe e com as responsabilidades agregadas.

Honra (meyo)
O samurai era nascido e criado para entender que todas as escolhas de um homem partem dele e devem ser, por ele, assumidas. Segundo o conhecimento oriental, que precedeu as bases da psicologia, todos os caminhos que se escolhe contém dentro de si um reflexo do verdadeiro eu, uma escolha errada e o fracasso revelava ao samurai uma falha de caráter. O medo da desgraça podia ser pago com a morte, o seppuku era o ritual que restaurava a honra que fora perdida. O samurai devia compreender que sua posição implicava em zelar não apenas pelo brandir de sua espada, mas também pela honra. A honra de sua família, de seu general, de seu país e de si próprio.

Lealdade (chuu)
Samurai significa "aquele que serve", ou seja, os samurais eram guerreiros que respondiam à um líder, no caso ao Shogun em primeira instância ou ao seu general, caso ele fosse rival do Shogun, e logo em seguida, ao seu daimyo. A lealdade ao general e à sua causa como um todo era imprescindível para qualquer guerreiro, mesmo um ashigaru sabia à quem devia lealdade. Tudo isso porque era o daimyo quem lhes provia todos os recursos para que batalhassem e vivessem, além de que na realidade militar japonesa, não havia espaço para qualquer contestação, a lealdade era o dever do samurai. Houveram casos em que esta lealdade foi quebrada, mas na maioria das vezes isso apenas acontecia porque a proposição do general feria os preceitos morais do samurai, como quando Oda Nobunaga ordenou uma incursão no Monte Kohei, determinando que matassem todos ali sem distinção de idade, alguns dos seus generais se recusaram a prosseguir.

Um exemplo de lealdade à todo custo é a história de Kusunoki Masashige, um exímio estrategista que só trouxera vitória ao seu daimyo, mas ao ter de obedecer suas ordens ao invés de seguir suas próprias constatações, foi vítima de um plano de ação mal estruturado. Em uma guerra, pode-se acertar milhões de vezes, porém basta um único erro. Ele sabia que estava se encaminhando para sua morte, mas ainda assim manteve-se leal e pagou as consequências do engano de seu superior sem contestação.

Com o passar do tempo e a modernização da civilização, os valores humanos mudam cada vez mais para tentar suprir a necessidade de uma formação acadêmica composta de um certo excesso de informações para um bom posicionamento em áreas profissionais. O crescimento pessoal deixa de lado os valores transmitidos através da convivência humana e o homem passa a retrair-se em seus lares, deixando assim de compartilhar emoções e experiências inter-pessoais com o mundo exterior. Devido a esta falta de tempo para convívio familiar, vivemos em um mundo onde a transmissão de conhecimentos e vivências de pai para filho torna-se esquecida e até mesmo obsoleta. Sempre sufocado em seus prazos, o homem moderno torna-se individualista e recluso.

O mesmo ocorre no contexto das artes marciais onde, até mesmo no Japão, o ensinamento mestre/discípulo se deteriora através da comercialização de diplomas. As escolas de artes marciais passam a ser empresas bem sucedidas que crescem através da formação de alunos despreparados, que depois de alguns poucos anos de práticas tentam transmitir experiências pelas quais ainda não passaram. É comum encontrarmos praticantes já graduados e que fazem uma saudação ao entrar no tatame, no cerimonial ou após praticar com outras pessoas sem saber seu significado, tornando-a assim um gesto vazio e sem vida.  Também aprendi que existe um mundo extra tatame, no qual posso e devo levar tudo que estou aprendendo para ele. Externar a prática para o dia-a-dia não significa distribuir socos e pontapés para todos os lados.

É de uma importância absurda que seja mantida viva esta tradição das Artes Marciais não deixando que nossos passos se percam diante da caminhada, com gestos e rituais vazios sem vida e sem significado algum na prática. Dando às Artes Marciais, sejam elas do tipo que forem, a devida atenção e o devido respeito a cada uma para que, somente assim, seja possível compreender a verdadeira essência do processo de conhecimento e aprendizado dentro do Caminho. Nem todos podem ser Samurais, mas os que são conseguem perceber que não é a vestimenta, mas são as atitudes que transformam um simples praticante em um verdadeiro Samurai e não importa parecer fisicamente com um guerreiro, tem que sentir e agir como tal.

OSS...!